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Profissões / Um Sapateiro Positivo

"em tempos fazia um pouco de tudo, desde calçado, malas de senhora, botões em calças, até malas de viagem aqui tenho..., cheguei a ter aqui quatro aprendizes e estavamos todos ocupados"


Nome: Mario Mendonça dos Santos

Idade: 84 anos

Profissão: Sapateiro

Local: Santarém


Começou a trabalhar neste oficio tinha 13 anos, aprendeu no Lar dos Rapazes em Santarém chamado também de - Asilo. Sempre fez este trabalho por gosto e porque sempre acarinhou o contato com as pessoas.


Fazia calçado normal , ortopédico, calçado para compensar deficiências como é o caso de uma senhora que o procurou porque tinha uma diferença de 10cm nas pernas; botins, botas para cavaleiros, entre outros, "em tempos fazia um pouco de tudo, desde calçado, malas de senhora, botões em calças, até malas de viagem aqui tenho..., cheguei a ter aqui quatro aprendizes e estavamos todos ocupados".


Neste momento entra uma cliente e pergunta se o Sr. Mário se lembra dela , tráz uma botas para pôr uns saltos diferentes dos que tem.

Quando lhe pergunto porque vem ao Sr. Mario sapateiro, ela responde de uma forma inequivoca "porque o conheço à muitos anos", - trabalhou numa sapataria que usava os serviços deste sapateiro e desde então que conhece e gosta do trabalho deste artesão.


A cliente sai e retomamos a nossa conversa, "o trabalho que tenho agora só dá para pagar as despesas, - água, luz... acabei de pôr umas palmilhas e agora tou aqui sem fazer nada."


Mário Santos sempre foi uma pessoa muito positiva e amigo de ajudar, tem como regra ajudar quem não pode , como é o caso dos arranjos para crianças, estes não são cobrados, há muitas pessoas que o procuram simplesmente para conversarem, como foi o caso dos amigos que encontrei quando cheguei para esta entrevista, ou mesmo para pedir conselhos, coisa que agora confessa ter mais tempo.


Continuar nesta oficina é na maioria das vezes pelo convivio, as pessoas que ainda se dirigem ao seu espaço "levam-lhe coisas" , como nesse mesmo dia já lhe tinham levado 3 queijos.


Lembra-se que começava a trabalhar ás 7:00h da manhã, ia a casa almoçar num instante e voltava para a oficina, à noite ia ás reuniões da ação católica que duravam até ás 22:00h e ainda voltava para a oficina para trabalhar até à 01:00h da manhã seguinte.


Anotava tudo dos fregueses, sabia quem, quando e o que é que tinham mandado arranjar.

Mandava as boas festas a todos, embora hoje em dia ainda telefone a muitos a fazer o mesmo.


O tipo de calçado também acabou com os sapateiros " ... a maior parte anda de tenis", só certos sapatos mais caros ainda justificam o arranjo -diz "a maioria são sapatos baratos".

Segundo este sapateiro antes comprava-se um par de sapatos de longe a longe agora compram-se varios pares e quando já não prestarem compram-se outros.


Mario Santos adotou a regra de nunca dizer que não a um arranjo, mas por vezes sai-lhe mal o trabalho, "paciência" mas volta a tentar.


Entra mais uma cliente, que vem simplesmente para pôr os sapatos "mais bonitos", "é para engraxar que a minha graxa não vale nada".

Mais uma cliente que justifica a procura deste sapateiro com a proximidade, o relacionamento que dura à anos, o atendimento personalizado, a amabilidade e o cuidado.

Para esta cliente não há comparação entre os serviços de uma loja dos centros comerciais e as lojas de rua, preferindo sempre estas ultimas.


Para o sr. Mário a procupação com a imagem do cliente é uma prioridade, "uma senhora deve andar sempre com um sapato bonito, bem cuidado". E ainda dá um conselho "limpar os sapatos com meias de senhora de nylon fá-los ficar brilhantes e bonitos".

"este é um sapateiro, sapateiro" - sublinha a cliente.


Na opinião deste artesão, ser sapateiro está a acabar por causa da desertificação no centro das cidades.

Mas também o trabalho manual sempre foi muito caro e enquanto se faz um par de sapatos manualmente a fabrica faz vários.

A diferença vê-se também nos materiais , enquanto os sapateiros têm a preocupação com os materiais que usam, a sua confortabilidade para o cliente e a durabilidade, os sapatos que se vendem hoje só têm em conta o preço, o sr. Mário reconhece um bom sapato até pelo cheiro, "os do chinês têm um cheiro tão ruim, tão ruim que não sei como é que as pessoas podem andar com aquilo."


Para este sapateiro, a vida que teve continua a ser a vida que sempre quis, continua a gostar do seu trabalho, das amizades, da parte humana deste oficio e este modo de estar também contribui para a forma como é visto pela comunidade.

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