Já pensou muitas vezes "vou fechar isto, vender isto, já não compro mais nada, nem coisíssima nenhuma, tenho dias assim, depois quando fecho a porta e me vou embora digo - até amanhã loja se Deus quiser, - um dia vou sentir muita falta se tiver de me ir embora"
Nome: Adilia Martins
Idade: 66 anos
Profissão: Comerciante
Local: Santarém
Foi na Casa Martins, na rua Serpa Pinto em Santarém que fomos encontrar Adilia Martins, uma resistente que ainda está no espaço por "amor à camisola", à 46 anos que trabalha nesta loja, primeiro como empregada e depois como dona.
A Casa Martins é uma casa de tecidos e afins que vende cobertores, lençóis, tecidos, roupa interior e outros, mas em tempos vendia de tudo um pouco, desde malas, chapéus, botões, tecidos para fatos de noiva, no entanto "tudo começou a comprar o fato de noiva feito" certos artigos deixaram de se vender.
Hoje em dia a Casa Martins não tem a vivacidade que outrora teve, é pouco procurada, e se continua aberta a Adilia o deve que é uma resistente, além de gostar do que faz , sente-se bem ali "como sou a mais velha aqui da rua, a malta toda vem aqui ter comigo e acaba por ser um convívio grande, e não me estava a ver ainda em casa" embora já esteja reformada diz que "enquanto eu puder estar aqui..." .
Perante a questão de quem seriam os responsáveis pela baixa de vendas ou mesmo o fecho destas casas, Adilia primeiro fica-se pela resposta "toda a gente sabe perfeitamente bem quem foi" mas acaba por nos dizer "foram os chineses, e deixarem fazer o centro comercial aqui, mesmo dentro da cidade... a pouco e pouco vão vendendo de tudo... embora seja outra qualidade, a pessoa prefere ter duas ou três assim-assim, do que uma muito boa, e vai acabando com tudo".
Esta comerciante reconhece que não há poder de compra, logo o preço assume grande importância, mas no que diz respeito a qualidade "o artigo nacional é superior a tudo e com isto tenho tudo dito" .
No entanto artigos nacionais são difíceis de encontrar, "as fábricas fecharam" mas ainda tem os algodões, a conhecida chita de Alcobaça, nesta loja o cliente só encontra artigos nacionais assegura esta lojista.
No capitulo da saudade Adilia confessa-nos "ai filha tenho saudades de muita coisa, até tenho saudades de quando passava aqui na nossa rua a camioneta de excursão que ia às portas de sol, iam pela rua de cima ... e vinham por aqui, tenho saudades de muita coisa que não vai voltar a haver" .
Além dos motivos apresentados que estão a matar este tipo de comércio Adilia ainda nos fala também do que foi feito à cidade que só veio prejudicar, "tiraram-nos tudo do centro da cidade que atraia as pessoas ... tiraram-nos a escola prática que atraia montes de pessoas, além dos tropas, no juramento de bandeira vinha a família toda, toda a gente levava uma lembrancinha das lojas" até o presídio ter fechado neste aspeto foi mau. Na opinião de Adilia , Santarém está triste , isolada, sem ninguém.
O que tira da loja só dá para pagar as despesas, não consegue tirar ordenado, vão-se contando as pessoas que entram e a maioria vem para desabafar ou pedir uma opinião ou conselho.
Esta comerciante gostava de passar o negócio à filha "mas para isso ela teria que ter vocação, amor e muita paciência... mas também não tinha futuro, se fosse à uns anos atrás, até talvez eu fizesse pressão para ela vir ... agora não compensa" .
Já pensou muitas vezes "vou fechar isto, vender isto, já não compro mais nada, nem coisíssima nenhuma, tenho dias assim, depois quando fecho a porta e me vou embora digo - até amanhã loja se Deus quiser, - um dia vou sentir muita falta se tiver de me ir embora" .