Pedimos à Associação Portuguesa dos Nutricionistas (APN) que nos falasse acerca da Ortorexia Nervosa. Este artigo, cujas respostas são assinadas pela Doutora Teresa Carvalho (médica nutricionista), mostram-nos a realidade da Ortorexia em Portugal.
A ortorexia é considerada oficialmente como distúrbio alimentar, em Portugal?
Oficialmente, a ortorexia ainda não é considerada como uma perturbação do comportamento alimentar à semelhança da anorexia nervosa, bulimia nervosa e perturbações de ingestão alimentar compulsiva. Estas perturbações do comportamento alimentar caracterizam-se pela excessiva sobrevalorização do peso e forma corporal, não tendo o indivíduo controlo sobre o seu comportamento. Contudo, é possível considerá-la na secção “transtorno alimentar não especificado” do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da American Psychiatric Association (DSM-5).
Quem são os mais afetados por este problema?
De acordo com a evidência científica, esta perturbação do comportamento alimentar é mais prevalente em profissionais de saúde, desportistas e artistas, tais como músicos, atores e bailarinos. Na verdade, estes indivíduos carecem de particular atenção porque envolvem-se diariamente com questões relacionadas com a saúde e a nutrição e, como tal, podem sentir-se pressionados para ser modelos a este nível. Relativamente, a fatores como sexo, idade e índice de massa corporal não parecem ser determinantes no desenvolvimento da ortorexia nervosa. O nível de literacia, a profissão, a condição socioeconómica e a interiorização dos ideais da sociedade são variáveis que mostram maior relevância no desenvolvimento desta perturbação do comportamento alimentar.
Existem muitos casos em Portugal?
Em Portugal, não há estudos epidemiológicos que refiram a prevalência de ortorexia nervosa na população. A partir dos estudos internacionais que têm sido realizados nesta área, verificam-se muitas diferenças em termos de metodologia e caraterísticas da amostra, o que leva a que não haja uma informação clara da prevalência de ortorexia nervosa. Todavia, com base no estudo do questionário relativo à perturbação em assunto, o ORTO-15 (2005), as estimativas apontam para a presença de 6,9% na população em geral e valores superiores nos grupos com maior risco.
De que forma é que a ortorexia se manifesta?
Os ortoréxicos são indivíduos que têm por objetivo alcançar um estado de saúde ideal e, para isso, recorrem a uma alimentação extremamente saudável, acabando por adotar uma dieta muito restritiva, já que desprezam qualquer alimento que julgam ser menos adequado nutricionalmente. A fixação na qualidade e composição nutricional dos alimentos leva a que estes indivíduos construam rituais associados às refeições (p.e. tempo de digestão, períodos de jejum, método de cocção) e dispensem muita atenção na escolha e preparação dos alimentos que irão ingerir (p.e. exposição de hortícolas a pesticidas, perda em micronutrientes durante a cocção, presença de aditivos alimentares, tipo de embalagem do produto). Enquanto que na anorexia a maior preocupação é o peso, na ortorexia a qualidade e riqueza nutricional do alimento é o fundamental. Ambos os casos envolvem um auto-controlo muito elevado sobre o ambiente e a alimentação. Por vezes, anoréticos em recuperação podem progredir para a ortorexia.
A ortorexia nervosa pode ter como consequência a ocorrência de deficiências nutricionais, principalmente em indivíduos que omitem grupos alimentares (p.e. grupo de cereais e derivados e tubérculos; carne, peixe e ovos). Pode ainda ocasionar outras complicações como, por exemplo, osteopenia (diminuição da massa óssea e aumento da fragilidade dos ossos), bradicardia (diminuição do ritmo cardíaco), pancitopenia (diminuição de todos os constituintes sanguíneos, hemácias, leucócitos e plaquetas, em simultâneo) e deficiência de testosterona. Do ponto de vista psicológico, os ortoréxicos sentem-se muito frustrados e culpados quando não conseguem cumprir os seus padrões de alimentação. Em situações mais graves, estas frustrações podem levá-los a autopunir-se através de dietas que denominam como desintoxicantes. De forma a não se sentirem forçados a transgredir as suas imposições alimentares, estes indivíduos tendem a isolar-se porque, desse modo, têm maior domínio sobre o ambiente que os rodeia e, particularmente, sobre os seus hábitos alimentares.
Podemos dizer que a ortorexia é uma consequência do tipo de sociedade em que vivemos? Em que sentido?
Hoje em dia, através das diferentes plataformas informativas como, por exemplo, blogues, redes sociais, imprensa, televisão, a população encontra-se exposta a muitos conteúdos sobre alimentação saudável e exercício físico que, nem sempre são comunicados de modo adequado. Esta exposição em conjunto com as motivações de saúde e estereótipos alusivos à imagem corporal, pode ser a base para o desenvolvimento deste tipo de perturbação do comportamento alimentar.
Como tratar a ortorexia?
Quando é identificado o problema no indivíduo e, após o reconhecimento por parte deste é necessário compreender quais foram as motivações que o levaram a desenvolver a obsessão. O tratamento passa por estabilizar o peso, reajustar o estado nutricional, esclarecer ideias pré-concebidas e a ajudar o ortoréxico a tornar a sua alimentação mais flexível. Neste processo, o indivíduo aprende a ter hábitos saudáveis e percebe que a alimentação é apenas um aspeto da vida, não devendo concentrar a atenção somente a esta.
Para o sucesso do tratamento é imprescindível a presença de uma equipa multidisciplinar, constituída por um nutricionista, psicólogo e médico, de forma a trabalhar-se convenientemente a reeducação alimentar, a relação saudável do indivíduo com a comida, a recuperação da autoestima e o fortalecimento emocional.
Que cuidados devem ter as pessoas que lidam diariamente com o portador deste distúrbio? Como podem ajudar na sua recuperação?
Os transtornos alimentares originam muito sofrimento no indivíduo, é importante que quem rodeia o ortoréxico compreenda que este está sob muito stress psicológico e transmita ao familiar/amigo que entende o sofrimento que este está a passar. O processo de recuperação é moroso e é necessária muita paciência por parte de quem acompanha o processo. Os ortoréxicos precisam de se sentir acarinhados e apoiados, contudo é importante não sentirem que estão a ser controlados, principalmente aquando o momento das refeições. É importante que sintam confiança neles próprios e em quem os rodeia. É essencial que, os familiares/amigos do ortoréxico mostrem, de modo paciente e cuidado, que a alimentação recomendada pelo nutricionista é adequada e cumpre as exigências nutricionais de que necessita. Sempre que tiverem dúvidas sobre a doença e como lidar com esta, recomenda-se que consultem a equipa que segue o caso, bem como associações ou grupos de ajuda de pessoas que já passaram por perturbações do comportamento alimentar.
É importante que as pessoas prestem atenção aos seguintes sinais, os quais podem refletir a presença desta perturbação do comportamento alimentar:
- Sente angústia ou culpa, quando ingere alimentos menos saudáveis;
- Rejeita participar em reuniões ou refeições com amigos e família, onde não pode controlar a ingestão dos alimentos;
- Evita comer em restaurantes;
- Fica ansioso por não realizar as refeições, previamente planeadas;
- Contabiliza o valor calórico e nutricional das refeições ingeridas;
- Analisa com pormenor os rótulos de todos os alimentos que adquire;
- Despende muito tempo nas compras alimentares, analisando detalhadamente todos os aspetos relativos a esta;
- Condiciona as escolhas alimentares em função da preocupação com a saúde;
- A qualidade dos alimentos é mais importante do que o sabor;
- Está disposto a gastar mais dinheiro com a comida saudável;
- Despende mais de 3h por dia a pensar sobre as questões alimentares;
- Não permite transgressões alimentares;
- Encontra-se convicto de que a ingestão de alimentos saudáveis aumenta a sua auto-estima.