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Escolher a Vida Fácil


Ana Marta Azevedo

Queres a vida fácil. Imaginamos o pai, o empresário, a dona de casa... a dizê-lo ao filho, ao artista, à solteira. Mas nunca o contrário. Pois ocorreu-me no outro dia uma mudança de perspetiva ao conversar com alguém. Alguém jovem, viajado, licenciado, que trabalha em diversas áreas, procura trabalho onde quer e se desloca pelo mundo como fruto desse trabalho ou em lazer. Alguém sem um trabalho fixo, um horário fixo, um marido e filhos. Falava esse alguém de outra pessoa: que nunca saiu do país, que aparenta mais a idade que tem, que tem o mesmo trabalho há algum tempo e não pensa mudar até ser despedido. Que tem um relacionamento infeliz porque quer assentar, ter uma casa, ter filhos, e aos 31 anos acha que já é tarde demais para mudar tudo isso! E comentou-se então sobre esta pessoa "escolheu a vida fácil".

Isso fez-me pensar e mudar a minha perspetiva. Realmente, o conceito de vida fácil pode estar alterado. Até porque, normalmente, as pessoas escolhem os caminhos fáceis, não os difíceis. O "normal" é o caminho fácil: Ir para a escola, estudar, entrar num trabalho e agarrá-lo com unhas e dentes porque "ai meu Deus o desemprego", mesmo que se seja infeliz todos os dias das 9h às 18h e mais além. Encontrar um parceiro e começar a pensar em ter filhos porque a partir dos 28 começa a ser tarde demais. "Ai a fertilidade, ai que não quero ficar para tia, ai que não quero ser uma mãe avó". A partir dos 30 não se muda de namorado, porque a família já o conhece, começa a falar-se em casamento e ele também não está assim tão mal. Afinal se não encontrei melhor até agora mais vale ficar por aqui. Afinal como vou conseguir a casa dos meus sonhos se não tiver o apoio de um companheiro? Aquela casa grande que vou pagar até ao fim da vida e decorar com porcelanas vista alegre.

O fácil? O socialmente mais comum, a zona de conforto, o seguro, o estável. Os sonhos? Isso são devaneios. Persegui-los? Loucura! Luxos de ricos e privilegiados. Pois então o que faz quem escolhe a vida "difícil"? Pois bem, estuda como os outros. Normalmente aquilo que gosta. Que pode ser aquilo onde menos há trabalho. Procura em todo o lado e com as condições que melhor encontrar qualquer trabalho na sua área porque é onde quer estar, mesmo que isso não o permita comprar cafés no Starbucks mas sim expressos no 'café do Zé'. Vai para fora, trabalha no estrangeiro, faz temporadas aqui e ali, aceita o trabalho de 3 meses e não o de um ano a contrato porque tem fé que irá encontrar em seguida um outro, porque dá um salto no desconhecido arriscando estabilidade porque sabe que a felicidade, essa sim é que não se arrisca. Despede-se do companheiro que ama se este não quer entrar a bordo do seu navio da perseguição do sonho. Arrisca a relação, a casa, a estabilidade, mas não arrisca a aventura, a realização, o sonho. E nunca será tarde. Nem aos 30, nem aos 40, nem aos 50. Porque do dia para a noite as coisas mudam, as relações acabam e outras começam e um filho nasce. Não são necessários anos de preparação para o fazer acontecer. Arrastar uma "felicidade de segunda categoria" para compactuar com agendas mentais irrealistas nunca fará parte destas pessoas.

Ouvem os pais, a família, o comum cidadão, dizer que escolhem a vida fácil, quando por vezes têm o coração cheio de cicatrizes que ganharam na luta pela felicidade. Arriscam a casa de sonho pelo sonho de uma casa. Uma que possam pagar, decorar com todos os pedaços das viagens feitas e chamar de seu cantinho. Arriscam o companheiro amado por um companheiro que irá amar os seus sonhos como a eles, um que não sabem quando, ou se, virá, mas pelo qual não desesperam porque se amam a si em primeiro lugar. E estas pessoas cruzam-se e olham-se um dia. A da vida fácil, com uma casa de campo, um filho na mão, um coração apertado pelos sonhos perdidos pelo caminho, um olhar cansado do trabalho infernal que permite duas semanas de férias por ano num resort com tudo incluído. Com a da vida difícil, com um chinelo no pé, uma carrinha com vários anos e muitos quilómetros, um brilho nos olhos, uma coleção interminável de experiências e a esperança de um adolescente. A da vida fácil sente pena. Acha que encara um desvairado, um perdido, um "vai com a maré" que deve viver despedaçado por não ter filhos ainda e viver no subúrbio com alguém com que nem sequer casou ainda. Mas reconhece-lhe o brilho nos olhos, uma felicidade que não compreende de onde vem, e num pensamento louco ocorre-lhe a ideia de trocar tudo por esse mesmo brilho.


O da vida difícil olha o da vida fácil e vê um pardal engaiolado. Um conformista que vê um buffet de hotel de luxo por ano e as paredes do escritório o resto da vida. Que não sabe o que é ver o mundo de hostel em hostel, de sofá em sofá, de tenda em tenda, de amigo em amigo, de sonho em sonho, de experiência em experiência. Que vive à espera de uma felicidade ao fundo do túnel em vez de construir um túnel de felicidade. E também os há os que conseguem conjugar tudo, e ter a casa maior, o carro novo, a estabilidade, porque lutaram e acreditaram na positividade, no copo meio cheio. Porque não viveram segundo o medo.

E aqui sigo eu. Escrevendo estas linhas num café numa ilha estrangeira, durante um trabalho temporário. Com o objetivo abandonado de conseguir um crédito e uma casa este ano, e o renovado de seguir trabalhando no que gosto, acordando com vontade de viver. Viajar sem o pagar e ser pago por isso! Com as cicatrizes no coração, sarado pelas esperanças. As saudades da família e dos amigos, amenizados pela segurança de voltar. A adrenalina de olhar o futuro com entusiasmo e não o pesar da conformidade e do sacrifício. A interrogação sobre o próximo trabalho com a fé de que ele estará ao virar da esquina, fruto da pro-atividade e capacidade própria. Conjugando estudos com paixões e talentos. Rodeada de pessoas inspiradoras e experiências novas que mostram o quão compensadora pode ser a vida difícil.

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