top of page

Dificuldade em ser amado


Toda a gente sabe o que é amar. E bem ou mal, todos o sabem fazer. Há amor na adolescência, amor adulto, amor pelos pais, pelos irmãos, pelos amigos. Podemos amar mais ou menos, ser mais altruístas ou mais egoístas, mais intensos ou menos apegados. Mas todos conhecemos o sentimento de amor e todos gostamos de amar. Sendo ou não correspondidos.


Quando nos amam de volta é maravilhoso, tudo corresponde, a felicidade paira. Seja um familiar, um amigo, ou numa relação. Quando não somos correspondidos, isso causa sofrimento. Talvez até desespero. Mas, e sejam lá sinceros comigo, isso deixa também uma nostalgia, um sentimento de mártir, um romanticismo literário de sofrer por amor que no mínimo, é "bonito", é meritável, é uma poesia que passamos a carregar dentro de nós.

Eu penso que aqui o verdadeiro problema, para nós como parte da humanidade, é sim deixarmo-nos amar. Sermos amados quando não amamos.


Quando alguém nos ama mas nós não temos sentimentos para com essa pessoa, quando alguém se quer aproximar mas não sentimos especial empatia, a vibração que nos causa é quase repulsiva. Queremos que o outro se afaste, achamos incómodo, perguntamo-nos o porquê desta insistência. Fechamos janelas e portas à chave, erguemos muralhas e deixamos bem claro que "não estamos interessados". Mas no quê? Podemos não estar interessados numa relação amorosa porque essa não seria recíproca. Mas pensemos no que o outro nos está a oferecer: amor. Aquilo que de mais precioso há e cabe dentro de alguém. Porque é tão dificil aceitar esse amor na sua forma pura? Deixar o outro entrar, deixa-lo conhecer-nos, conhece-lo a ele. Deixar que uma relação se crie. De empatia, de aceitação, de amizade. Não deveriamos excluir o outro por sentir que não é digno de nos amar porque nós não amamos. Deviamos sim ser gratos pela oferenda que nos faz.


E o amor que sobra de uma relação que acaba? Porque o suprimimos, sufocamos, enterramos até esquecermos e negarmos que sequer existiu? Estamos a ser honestos connosco ao negar algo que um dia foi a maior certeza? Porque quando uma relação acaba outra não pode nascer? Porque dois namorados passam a amantes mas não conseguem fazer o processo contrário? Mesmo que haja desentendimentos, ou mesmo que não haja. O amor não é mais forte e mais verdadeiro para merecer perdurar? O sentimento de posse e orgulho é tão grande que não admite que algo acabou, que o outro não faz parte da nossa vida dessa maneira, não compactuando com uma continuidade do amor noutra forma? Porque preferimos passar a estranhos e guardar aquele amor nos confins do coração fechado a cadeados do que dar-lhe uma outra forma, uma nova vida, permitindo que se expresse se ainda se quer expressar?


E o amor de um amigo? De alguém que não achamos particular piada, que não percebemos porque nos escolheu, que não faz parte dos nossos círculos habituais ou que não sentimos particular empatia? Merece ser excluído e mantido fora de um círculo imaginário porque decidimos desenhar uma linha e mantê-lo do lado de fora? Se o que nos oferece é realmente amizade pura, sem interesse, apenas com amor e empatia, porque não aceitá-lo?


E o amor da família? Pai, mãe, avós, tios... que tantas vezes nos amam tão puramente, que querem o nosso bem, que nos fazem inquéritos de vida, sondagens de intenções, check lists de alimentação. Porque tanto nos irrita, nos afasta, nos faz revirar os olhos? Que desrespeito é esse que surge pelo amor do outro quando não estamos a sentir o mesmo nesse momento? E a pergunta para queijinho: e o amor próprio? O mais difícil de conquistar, de aceitar. Porque insistimos em ser perfeitos, em ver apenas os defeitos, em achar que temos muito que correr, que alcançar, que temos desesperadamente de depender da aceitação dos outros? Porque não aceitamos amar-nos inteiramente por tudo aquilo que de bom somos, e com todas as dificuldades e desafios que temos. Amar-nos primeiro. Aceitar-nos. Dar um beijinho no ombro. E aí talvez tenhamos sempre alguém que nos ame (nós mesmos). E aí talvez seja mais fácil aceitar o amor do outro. Talvez seja mais fácil não procurar só o amor de quem queremos mas aceitar o amor de todos e ama-los de volta, com a intensidade que seja possível.


bottom of page