top of page

Olhar nos olhos


StartFragmentPorque é tão difícil olhar alguém nos olhos? Pense nisto. Qual foi a última vez que realmente olhou alguém nos olhos por mais de dois segundos? Mais difícil ainda: que o fez em silêncio? Pode pensar que tem olhado as pessoas nos olhos ao relacionar-se com elas ou ao ter uma conversa, mas auto-observe-se e observe o outro da próxima vez que conversar e verá que os seus olhos vão oscilar entre um e outro olho, o nariz, a boca, a paisagem atrás da pessoa, alguém que passa, um som ao redor...


Na realidade olhar alguém nos olhos está conotado como má educação. Desviamos os olhos se cruzamos um olhar no autocarro, sentimo-nos incomodados se reparamos que alguém nos está a olhar no café, e mesmo querendo olhar o outro, baixamos rápidamente o olhar atrapalhados se somos notados. Sustentar um olhar é coisa rara e com grandes riscos de ser mal interpretada.


E porquê? Dizem que os olhos são o espelho da alma. Que não mentem. Que são as portas do coração. Talvez seja possível ver mais nos olhos de alguém que numa conversa de horas. E sabemos que o mesmo vale para nós. Então fugimos. Não deixamos essas preciosas janelas do nosso ser serem abertas ou que alguém por um acaso espreite lá para dentro. Somos totalmente privados e não queremos invadir a privacidade do outro. Mas porquê, pergunto novamente. Se o que de mais belo e genuíno temos é a nossa alma, o nosso ser, se o que sonhamos é com um encontro real e genuíno com o outro, achar uma energia compatível, uma empatia, uma compreensão mútua. Porque escondemos a alma, porque temos tanta vergonha de a pôr a nú? Porque temos tanto medo de deixar o papel que desempenhamos - aquele que adaptamos a pessoas e situações - e deixar ver o ator sem papel, o dos bastidores,o que se debate com todos esses papeis e tem em si todas as angustias e sonhos.


Tive oportunidade de experimentar recentemente um exercício simples: sentar em frente a um desconhecido e olhá-lo nos olhos durante alguns minutos. E durante esses minutos o que senti foi um incómodo da outra parte, uma claustrofobia, uma fuga incontrolável do olhar em redor procurando uma saída, um intervalo. Estamos tão habituados a ser sociais, às convenções, que não sabemos o que fazer sem a conversa, sem a fuga, a distração. Quando esse poderia ser o encontro mais simples. Olhar outro ser humano como nós, sem acrescentar nenhuma componente de informação acerca de si e perceber como é tão igual a nós, com os seus medos, incertezas, passado, tristezas, capacidades, virtudes, autenticidade, singularidade.


Felizmente já tinha experimentado o mesmo exercício com uma pessoa que não teve medo de olhar nos olhos, de oferecer a alma e acolher a do outro, sabendo que, se está nua, o outro também está. Foi há cerca de um ano e ainda hoje tenho viva essa imagem na memória e a guardo com carinho como se de uma amizade querida se tratasse e, no entanto, era também uma desconhecida. Nunca esquecerei o seu sorriso e o conforto e compreensão que me transmitiu.


Cada vez olhamos menos as pessoas, o mundo, a natureza. Cada vez mais olhamos para baixo, para o telemóvel, para o próprio umbigo. Esquecemos a humanidade e achamos que estamos sozinhos. E esquecemos que à nossa volta existem sempre outras pessoas iguais a nós, com os mesmos anseios, mas também com tanta coisa única para oferecer, tanta beleza escondida, tanta genuinidade. Esquecemos que barreiras não existem, que fomos nós que as criámos com as nossas teorias e a nossa vontade de organizar tudo em caixinhas - é católico, é de esquerda, é indiano, é licenciado, é velho. Ao ter medo de deixar o outro entrar perdemos duas coisas - conhecer uma outra alma e deixar que nos conheçam.


Na próxima oportunidade, faça a experiência: no metro, no jardim, no trabalho, sustente um olhar. Resista à tentação de fugir, abra o coração e ofereça os seus olhos ao outro para serem explorados. O que surge,na maioria das vezes, é inevitavelmente um sorriso!


EndFragment

bottom of page