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Acreditas em magia


StartFragmentEu não acredito em bruxas, mas que as há, há. A frase é célebre, e faz tanto sentido que tem estatuto de provérbio em português, embora seja a tradução da frase de Miguel de Cervantes y Saavedra, autor de Dom Quixote "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay".


O título deste artigo não omite um ponto de interrogação, é em verdade uma afirmação. Confio que, assim como quem crê tem sempre as suas dúvidas e pés atrás, também quem é cético mantém um pé na hipótese de estar errado. Assim, em boa verdade toda a gente acredita em magia. Em alguma parte desta, pelo menos. Em alguma premissa não acente na lógica, que, mesmo não acreditando, pelo sim pelo não, levamos a cabo.


As crenças que contam com maior número e mais convictos crédulos, são precisamente também as que juntam mais fervorosos incrédulos. Fantasmas, Bruxarias... Deus.


Mas vamos tirar a prova dos nove e jogar ao pequeno jogo do "quem nunca". Quem nunca leu o seu horóscopo ou tatuou no braço um escorpião, um leão, ou dois peixes. Quem nunca se benzeu fazendo o sinal da cruz ao entrar numa igreja. Quem nunca teve medo de andar pela casa às escuras depois de ver um filme de fantasmas. Quem nunca experimentou terapias alternativas. Quem nunca bateu três vezes na madeira depois de dizer algo que não quer que aconteça ou teve uma pequena sensação de angustia depois de partir um espelho. Quem nunca teve curiosidade de tirar uma carta de tarot. Quem nunca sentiu que alguém é "boa vibe" ou "má pessoa". Nunca teve um pressentimento. Nunca adivinhou quem estava a ligar antes de atender o telefone. Quem nunca amou? Sim, esse sentimento que não se rege pela lógica, não escolhe compatibilidades, não se explica como prático ou com algum tipo de propósito. Quem nunca respeitou a memória dos mortos ou falou em pensamento com um ente querido já falecido? Quem não acredita em karma, a premissa de que o que fazemos ou dizemos, de bom ou de mau, terá em algum momento o seu retorno em consequência?


O mais cético dos céticos encontrará nesta lista ou em si mesmo algo que o trairá. No fundo, à semelhança dos nossos antepassados que explicaram os mais intrigantes fenómenos naturais com recurso a criaturas e eventos mágicos, também nós continuamos a deixar um espaço para esse esoterismo. Sabemos, talvez bem no nosso íntimo, que há mais em nós que as máquinas lógicas em que nos tornámos e tornámos a nossa sociedade. Acreditamos que há mais camadas, que há uma alma, que há talvez uma capacidade perdida nos tempos que nos tornava especiais. Pressentimentos, sextos sentidos, telepatias, união com a natureza. Um sentido de vida cósmico, uma vida passada ou uma reencarnação futura potenciante de aprendizagens. Muita gente experimenta alguma destas capacidades mágicas ao longo da vida. Reconhece na natureza e no mundo uma beleza, um encanto e um mistério que indiciam algo oculto maior que o que o olhar e os nossos básicos 5 sentidos alcançam. Alguns ficam-se pelo amor (a magia mais comum que ninguém nega e no entanto tão forte), ou por outros exemplos simples como os do jogo do quem nunca. Outros fazem mapas astrais, consultam adivinhos, têm experiências extra-sensoriais, alcançam a iluminação pela meditação, vêm e ouvem fantasmas e contam histórias nas quais é difícil acreditar mas não permitem outra explicação. E toda a gente tem uma história dessas, nem que seja do amigo do amigo.


A sociedade oriental sempre viveu a magia como parte da vida. Reinos inteiros se guiaram pela astrologia tomando decisões políticas de acordo com a posição dos planetas. Ritos e crenças são como a água de beber, tão natural como a sede. Nós, ocidentais, aprendemos a pôr tudo debaixo do microscópio da ciência e talvez tenhamos perdido muito dessa bela simplicidade do acreditar. Do acreditar em magia. Mas no fundo algo nos diz que ela existe, seja em que forma for. E, digam lá, o mundo não fica mais especial assim?


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