No passado havia muitas coisas que o homem desconhecia. Do mais simples ao mais complexo existiam coisas inexplicáveis por falta de conhecimento ou desenvolvimento da ciência. As explicações acabavam por ser deixadas à imaginação, ao que parecia à primeira vista, ou atribuido à magia ou aos deuses. Hoje todos sabemos, não só que a terra é redonda, como podemos explorar qualquer canto através de mapas online, temos aplicações que nos dizem os nomes das estrelas, sabemos as leis da física, sabemos a composição e comportamento de plantas e animais, explicamos fenómenos naturais, sabemos como funciona o telefone, viajamos de país em país à distância de um avião. Sabemos, pelo menos até certo ponto, o que está por baixo dos oceanos.
Cada vez existe menos o componente chave da beleza chamado mistério. Olhar o céu à noite continua a ser bonito pois, apesar de sabermos o que são estrelas e que existem imensas galáxias, cometas, buracos negros, nebulosas... não os vemos, apenas os podemos imaginar, o céu noturno transborda de mistério e por isso suscita fascínio. Um país distante parece-nos sempre uma aventura, algo exótico, e com certeza bonito, pois encerra também mistério. O oriente, pela distância cultural, parece-nos sempre misterioso, cheio de rituais incomuns, maneiras de viver diferentes, enfim componentes que desconhecemos, nos transmitem mistério e por isso nos fazem imaginar e sonhar com conceitos que talvez até não existam.
Até nas relações humanas podemos observar que um homem desconhecido que passa e cruza o olhar com o nosso pode parecer-nos lindo pois é misterioso e encerra toda a imaginação que nele quisermos colocar. Ao passo que o nosso marido com o qual celebrámos bodas de prata, pouco mistério encerra para nós e perdeu para nós o mistério e, com isso, alguma da sua beleza. Uma mulher despida, não é tão misteriosa quanto uma mulher de lingerie, e por isso a roupa interior é um negócio lucrativo associado à sensualidade. Explorar um caminho, uma montanha, é muito mais entusiasmante quando não sabemos o que está por trás dela. No fundo o conhecimento corta o mistério, e com o mistério vai alguma beleza.
Tive oportunidade de assistir há pouco tempo a um nascer do sol nas montanhas, o que me suscitou esta reflexão. Ao observar durante uma hora e meia a natureza, desde a noite cerrada até ao dia claro, várias transformações se deram diante dos meus olhos. Todas se podem explicar e são do meu conhecimento, e ainda assim o nascer do sol é sempre lindo. Mas pus-me a imaginar condições em que eu não soubesse de astronomia, de zoologia, de geografia. Observaria a noite cerrada, um céu cheio de luzes brilhantes e a lua, que não saberia o que é, apenas uma presença constante da noite, mudando de forma cada dia e brilhando com luz própria. Ouviria depois um som vindo da escuridão, que se repetiria todas as manhãs como se tivesse hora marcada, sem saber de onde vinha e podendo nunca me encontrar com a sua fonte - um galo. Ao mesmo tempo que escutava esse grito da manhã veria uma luz ténue surgir por trás das montanhas, atrás das quais não saberia o que estaria. Poderia muito bem ser o dia em si, que dali surgia todas as manhãs. A pouco e pouco os pontos brilhantes no céu desapareciam, e a luz avançava começando a dar contorno às árvores, à serra, e ao riacho que escutava. Riacho que veria passar mas não saberia de onde vinha, para onde ia, onde terminava... poderia muito bem ser eterno. O sol vinha, sabe-se lá de onde, até se esconder no final do dia, num espetáculo semelhante, misteriosamente. Onde iria aquela luz toda? Como se escondia? E lá regressavam as luzes noturnas, espalhadas pelo céu. Às vezes uma luz traçava uma linha no céu - uma estrela a cair com certeza! Depois, por fim, surgia um zumbido de fundo que ficaria todo o dia, poderia muito bem ser o som do dia, o som da serra, o canto natural do verão - nunca saberia o que são cigarras.
Imaginando este espetáculo assim, senti-me ainda mais impressionada pela magnitude da natureza. Sem explicações, sem conceitos, sem a arrogância do saber mas sim com a inocência da ignorância. Tentar pôr de lado o que sabemos, pode ser uma forma de dar novo mistério e beleza à vida. Permitindo-nos observar sem fazer deduções, escutar sem adivinhar, apreciar e apenas sentir. Vendo com olhos de criança descobrimos outro fascínio nas coisas e até talvez nas pessoas, permitindo-nos conhecer sem pré-conceitos. Da próxima vez que fizer um passeio, faça a experiência, faça de conta que não sabe quantos tipos de árvore existem, o que é um gato, de onde vêm as nuvens, que tipo de pessoa se cruza consigo, e redescubra o fascínio do mundo!