Quantas vezes já se deparou com histórias reais sobre encontros e desencontros, onde o ciúme esteve como principal actor? Quantas vezes já sentiu ciúme e questionou se será natural essa sensação estranha, que talvez não consiga definir bem? Quantas vezes se colocou em causa, por considerar que é ciumento / a e, talvez mesmo, sem razão? - “Será normal?”
Falemos então um pouco dessa palavra tão intensa, e que faz parte da vida de todos nós. Quando nasce o ciúme? O ciúme aparece, pela primeira vez, perto dos 3 anos de idade. É um sentimento natural, que faz parte do desenvolvimento. Surge, na maioria dos casos, próximo desta idade porque é neste momento que a criança começa a compreender que não é o centro do mundo da mãe, que vive independente dela e que existe uma outra pessoa (o pai) que compete consigo esse lugar. Segundo Freud, é aqui que tudo se inicia. Esta fase, na maioria dos casos é ultrapassada com tranquilidade e de forma adaptativa, muitas vezes não interferindo com a dinâmica familiar. Tudo irá depender da forma como os Pais conseguem lidar com a atitude da criança.
Também, o nascimento de um irmão vem sublinhar esta sensação de perda. Vai existir um novo Ser que vem retirar um lugar primordial, e que vai ter que dividir o espaço, o tempo e os momentos com a criança. Passa a não ser exclusiva e a atenção irá ser repartida. Uma vez mais, a criança sente que deixa de ser o centro do mundo! E uma vez mais, o papel dos pais será essencial. Lidar com a atitude da criança de forma natural, transmitindo-lhe segurança e garantindo que sempre terá o seu lugar, deverá ser o foco dos Pais. Muito importante, também, será a não repressão, nem a demonstração de zanga, mas sim corresponder, dando colo e abraçando. A criança deverá sentir-se segura e incluída.
É nesta fase que a resistência à frustração vai sendo moldada e construída. Que a criança inicia a sua capacidade em controlar a sensação de perda. E esse será um grande alicerce para a vida. Podemos, então, dizer que o ciúme é um mecanismo (inconsciente) que tem por objectivo deter alguém só para si. Não largar.
Quando crescemos, todas essas nossas experiências de vida nos acompanham e cada um de nós irá percorrer o caminho com base nessas primordiais vivências.
Na vida dos adultos fala-se de ciúme, a todas as horas. A desconfiança, a baixa auto-estima, a incapacidade de diálogo, a falta de tempo, a indisponibilidade de ambas as partes na relação, são a causa de muito desgaste e rotura relacional.
Sentir ciúme por uma pessoa de quem se gosta tende a ser normativo, desde que seja pontual, moderado e que se vá dissipando de forma progressiva, não causando danos emocionais. Afinal, sabemos que aquela pessoa é muito importante para nós. Não a queremos deixar partir…
Mas existe o outro lado… O ciúme excessivo, obsessivo que se transforma em ciúme patológico. Começa então uma viagem perigosa e vertiginosa, onde se cria uma realidade própria e distorcida da verdadeira realidade. O medo, a frustração, a angústia tornam-se constantes e a vida torna-se insuportável, onde a desconfiança e a baixa auto-estima são as maiores aliadas. Quando o limite é ultrapassado, quando a desconfiança não tem justificação, quando já não se acredita no outro por mais explicação que seja dada, quando se coloca o outro em causa constantemente, quando quer controlar tudo, mesmo o que não consegue…
Este será o momento certo para pedir ajuda.
A vida não deve ser alimentada por realidades próprias, interpretações distorcidas e factos inexistentes. Desse modo, não seria uma Vida. Seria um filme que estaria a construir, desempenhando o seu pior papel.
A vida deve ser vivida por inteiro e numa realidade, mesmo real.
Maria Veiga | Psicóloga Clínica